Como a Improvisação Teatral mudou a minha vida
- Danilo Forlini
- 3 de abr. de 2024
- 13 min de leitura
O tĆtulo estĆ” um pouco sensacionalista, eu sei, mas quero chamar a sua atenção para uma ideia bacana. A divulgação e prĆ”tica da Improvisação Teatral Ć© muito comum em vĆ”rios paĆses, e por conta disso, jĆ” existe um tanto bom de material escrito em outras lĆnguas sobre a aplicação dos princĆpios da Improvisação Ć diversas Ć”reas, como a educação, treinamentos profissionais ou mesmo filosofia de vida e desenvolvimento humano. Ao invĆ©s de simplesmente traduzir algum texto estrangeiro, escolhi escrever a partir de um conjunto de leituras que fiz (as referĆŖncias estĆ£o no final) e a experiĆŖncia que tive com a improvisação nesses Ćŗltimos anos, tanto a partir de minhas vivĆŖncias, como de relatos pessoais feitos por alunos que tivemos.
A proposta do texto Ć© apresentar alguns dos princĆpios que todos os improvisadores se esforƧam constantemente para aplicar e como eles podem trazer um olhar interessante para o cotidiano.
Aviso importante: Improvisação teatral nĆ£o Ć© terapia (embora possa ser terapĆŖutico em algumas situaƧƵes). Improvisação Ć© uma linguagem teatral artĆstica. Esse texto nĆ£o pretende mostrar que a improvisação pode tratar as pessoas ou resolver os problemas do mundo. O que ele mostra Ć© que, ao estudar e praticar improvisação, somos apresentados a alguns princĆpios que tĆŖm potencial de serem aplicados tambĆ©m ao cotidiano de maneira benĆ©fica.
AGORA VAMOS LĆ!
1- A regra de ouro da Impro: dizer āSIM!ā
A improvisação Ć© teatro sem roteiro, sem falas decoradas. VocĆŖ irĆ” criar uma história com alguĆ©m sem que vocĆŖs tenham combinado previamente como serĆ” a cena. Imagine que vocĆŖ comeƧa uma cena dizendo āFilho, recebi seu boletim e vocĆŖ estĆ” com notas baixas de novoā. EntĆ£o seu colega de cena responde com uma negação: āEu nĆ£o sou seu filho, sai pra lĆ” sua louca desconhecidaā. Resultado: o desenvolvimento dessa história foi bloqueado. O que seu colega de cena estĆ” fazendo com essa resposta Ć© negar a sua proposta e sua contribuição nessa história. Todos somos diferentes e sempre teremos ideias diferentes passando pela nossa cabeƧa no momento de criar uma cena. Ao invĆ©s de querer impor somente a nossa visĆ£o da cena (e de mundo), Ć© preciso aprender a aceitar as ideias que vem do outro, para que as histórias possam desenrolar, e sejam criadas em conjunto. Uma resposta simples poderia ser āSim, mamĆ£e, me desculpaā. E a história continuaria.
Por isso o primeiro princĆpio ensinado nos cursos de improviso Ć© o āSIM!ā: Desenvolver a capacidade de aceitar as propostas dada pelos companheiros e embarcar nas histórias nas quais foi convidado a construir junto. Imagine se, quando Harry Potter recebesse sua carta convite para estudar em Hogwarts, ele tivesse dito āNĆ£o, obrigado.ā ou āNĆ£o acredito em magia, pode jogar essas cartas foraā, haveria alguma história pra contar? Ou se Frodo e os hobbits tivessem se recusado a carregar o anel? Se Luke Skywalker tivesse dito nĆ£o para o convite de se juntar aos rebeldes e combater o ImpĆ©rio, ou mesmo se a Cinderela tivesse preferido ficar em casa ao invĆ©s de ir ao baile e dito āAh, acho que vai dar problema, nĆ£o Ć© lugar pra mim, vou ficar aqui e arrumar a casa mesmoā. Que histórias nós terĆamos pra contar?
Uma boa história improvisada sempre estarĆ” recheada de aceitação das propostas ofertadas na cena. Levando a lugares imprevisĆveis para os atores, porque Ć© fruto de uma aceitação conjunta dos convites feitos um ao outro.
Ć muito legal assistir os alunos iniciantes de improvisação praticarem suas cenas, porque nesse processo eles percebem o quanto nós estamos acostumados a dizer ānĆ£oā no nosso cotidiano. Os nossos ānĆ£osā sĆ£o quase automĆ”ticos. Dizer nĆ£o para convites, propostas, oportunidades que se abrem, novas possibilidade de aprendizado ou atĆ© mesmo novas amizades Ć© mais comum do que percebemos. Vamos envelhecendo e construindo certezas sobre muitas coisas, se apegando ao que estamos acostumados e passa a ficar difĆcil dizer sim para o desconhecido, seja por preguiƧa, comodidade, medo de errar ou por achar que nĆ£o somos capazes. Para cada oportunidade, nós sempre arrumamos motivos para dizer nĆ£o para as possibilidades de novas histórias que aparecem. Sair da negação automĆ”tica e passar a olhar com mais disponibilidade para o āsimā me fez ter experiĆŖncias e encontrar caminhos que eu nĆ£o teria encontrado de outra forma.
2- āYes, andā¦ā: acrescentar e contribuir
A regra de ouro da Impro (dizer SIM!) nĆ£o vem sozinha. Ć preciso ir alĆ©m, e pra isso existe o āSim, eā¦ā (popularmente conhecido como āYes, andā¦ā). Significa que o improvisador nĆ£o busca apenas a aceitação da realidade construĆda, mas que deve se propor constantemente a seguinte questĆ£o: āComo eu posso contribuir com essa realidade?ā, ou āO que eu posso acrescentar aqui? De que maneira eu posso somar nesse contexto?ā.
Pra ficar mais simples de entender, voltemos ao exemplo anterior. Um ator inicia uma cena se propondo como pai ou mĆ£e do outro personagem ao dizer a seguinte frase: āFilho, recebi seu boletim e vocĆŖ estĆ” com notas baixas de novoā. O outro improvisador em cena pode aceitar dizendo āSim, mamĆ£eā, e nós teremos uma história pra seguir. Mas essa resposta nĆ£o realiza uma criação conjunta, e continua deixando a história na responsabilidade do primeiro ator. Algumas respostas que sigam o āYes, andā¦ā poderiam ser:
āSim, mamĆ£e. VocĆŖ vai me prender na masmorra por um mĆŖs de novo?ā, ou āSim, mamĆ£e. Eu fiquei com 9,8 de mĆ©dia, eu sou um desastreā. Ou atĆ© mesmoĀ āSim, mamĆ£e. Ć que tem uma garota, sabe⦠E eu fico perdendo a concentraçãoā.
Todas as respostas anteriores aceitam a proposta do primeiro ator e acrescentam algo Ć história. Na primeira, pode ser que essa história seja sobre uma mĆ£e que dĆ” castigos exagerados para o filho. Na segunda, a história poderia ser sobre uma famĆlia de perfeccionistas. E a terceira história poderia nos contar como um garoto de doze anos se apaixona pela primeira vez.
Não importa qual dessas serÔ a continuação, o que vale pra nós é que os improvisadores seguem aceitando as propostas do outro e acrescentando as suas, de modo que o resultado final é a soma das ideias dos dois (ou mais) que estiverem em cena. O legal aqui é o que isso representa. Porque essas ideias, que somadas constroem histórias, são frutos das experiências, vivências, criação e circunstâncias de cada um. O resultado serÔ sempre significativo no sentido de não ser fruto de uma única mente, mas de um conjunto de pessoas trabalhando pelo mesmo fim.
A maneira como vivemos no mundo, seja no trabalho, na escola ou em casa, nos oferece vĆ”rias tarefas e problemas para serem resolvidos coletivamente, todos os dias, e com a intenção de nos envolver o menos possĆvel com tudo isso, geralmente nossas respostas comuns sĆ£o duas: ou negar as propostas de ação e fugir dessas histórias, ou fazer parte delas, mas transferindo toda a responsabilidade de resolução ou continuidade pra fora, pra que a gente fique seguro e possa dizer ānĆ£o Ć© minha culpaā quando algo der errado. E quase nunca, nos fazemos a seguinte pergunta, para qualquer cenĆ”rio que se coloca a nossa a frente: āComo eu posso contribuir com essa realidade?ā
Aqui existe uma armadilha, claro. Que Ć© a vontade de somar, mas sem aceitar o que vem antes. Quando as pessoas resolvem problemas em conjunto, pode atĆ© ser que mais de um queira somar e colocar suas propostas. Mas essa soma vem sempre com uma subtração secreta antes: āA sua ideia nĆ£o serve, vamos excluir ela e acrescentar a minha, que Ć© melhorā.
Quando eu proponho para observarmos com mais atenção essa questão, eu não estou dizendo que todas as ideias e propostas são ótimas e devemos aceitar tudo. Mas, principalmente quando se trata de uma construção coletiva, o que parece é que temos nos esquecido o quanto cada um, inclusive nós, tem a contribuir. Porque, assim como nas cenas improvisadas, o resultado pode acabar sendo melhor do que a gente espera.
3- NĆ£o existem erros.
Quando realizo uma oficina de improvisação pra iniciantes, um dos objetivos Ć© que pelo menos em algum momento da oficina os participantes errem. Para conseguir esse objetivo aplico vĆ”rios exercĆcios, a maioria deles com uma sensação de diversĆ£o, em que a exigĆŖncia de atenção e coordenação vĆ£o aumentando atĆ© que chegue num ponto onde simplesmente Ć© impossĆvel nĆ£o errar, nĆ£o importa o quĆ£o ābomā vocĆŖ seja naquilo.
FaƧo isso nos treinamentos, porque na improvisação, uma certeza inevitĆ”vel Ć© a de que vocĆŖ vai errar. Nos treinos, nas cenas, no palco, na frente de cem pessoas ou de trĆŖs, mas vai errar. Simplesmente porque Ć© muito difĆcil criar cenas sem roteiro. Uma palavra que vocĆŖ escuta diferente, algo que te tira atenção ou mesmo um desafio de um jogo de improvisação, podem (e vĆ£o) te tirar do eixo.
Como nos diz Andrei Moscheto,Ā āAceitar o que pode vir da falta de certeza e usar tudo que der errado de forma positiva estĆ£o no nĆŗcleo desta arte.ā
Se comeƧamos uma cena e eu inicio fazendo um personagem que estĆ” correndo nas olimpĆadas, mas meu colega de cena entende que estou fugindo após assaltar um banco, eu abraƧo o erro dele, e agora teremos um fugitivo que corre no estilo maratonista. E segue a história.
A questão é que essa certeza de que vamos errar nos força a olhar para esse elemento com mais atenção do que o normal, jÔ que o erro é inevitÔvel, e por isso necessariamente temos que aprender a lidar com ele. Pense no seguinte: em toda a nossa vida, somos orientados a fugir dos fracassos e-ou ser punido por eles. Fomos educados a buscar as melhores notas, melhores colocações, acertar em tudo, ganhar em tudo, ser melhores que os outros. Falhar nas provas da escola ou em qualquer outra coisa torna-se um problema gigantesco, sempre reforçando uma sensação de incompetência quando não alcançamos o esperado. Ficamos angustiados boa parte da adolescência e vida adulta por conta disso. (Crianças costumam se julgar menos).
EntĆ£o aprender a desconstruir essa sensação horrĆvel que temos ao falhar Ć© um trabalho difĆcil, mas incrivelmente recompensador quando a gente avanƧa. Isto porque o medo de errar Ć© um dos fatores que mais significativamente trava as nossas ideias. NĆ£o só para as cenas improvisadas, mas na vida. Quantas coisas nĆ£o deixamos de fazer ou tentar por conta do medo de que pode dar errado? (olha o princĆpio do SIM voltando por aqui). Claro, que vocĆŖ pode pensar em algo grande como medo de pular de paraquedas ou de sair em um mochilĆ£o pelo mundo, mas isso tambĆ©m se aplica a coisas pequenas, como medo de levantar a mĆ£o pra fazer uma pergunta na aula ou dizer pra alguĆ©m como vocĆŖ se sente em um determinado relacionamento. E se rirem de mim? E se eu nĆ£o conseguir lidar com a conversa? E se tudo der errado? E deixamos de assumir riscos que nos levariam pra lugares legais. Tudo por medo de errar.
A gente esquece que os āsucessosā (ou acertos) sĆ£o quase sempre fruto de uma sequĆŖncia de fracassos e tentativas que nos impulsiona pra frente, dando a experiĆŖncia necessĆ”ria sobre como agir ou o que tentar nas próximas vezes. Ć justamente saber utilizar os fracassos como ferramentas. Ć se aproveitar dos riscos. Entender que a falha Ć© inevitĆ”vel, e que nĆ£o Ć© um problema tĆ£o grande assim quando as coisas dĆ£o errado. Ć mais do que natural. E quando elas dĆ£o, podemos concordar: Ć© daĆ que vem boa parte das nossas melhores histórias.
4- Seja mediano.
āBe ordinaryā, nos diz Keith Johnstone (grande mestre da Improvisação). Eu tentei traduzir de vĆ”rias maneiras essa frase. Poderia ser āseja medĆocreā, āseja comumā ou āseja ordinĆ”rioā tambĆ©m. Acredito que seja mediano se encaixa melhor, mas o ponto nĆ£o Ć© esse. A questĆ£o Ć© que aqui se encontra uma das sacadas mais geniais da Impro.
Quando vocĆŖ estĆ” tentando ter uma boa ideia, ou tentando fazer algo muito bem, dificilmente vocĆŖ vai ter a melhor ideia ou fazer algo excepcional. Isso porque quando vocĆŖ tenta ser incrĆvel em qualquer coisa, vocĆŖ estĆ” usando boa parte da sua potĆŖncia pra se preocupar com ser incrĆvel, ao invĆ©s de simplesmente fazer o que vocĆŖ precisa fazer.
Ć um argumento meio estranho, mas funciona de uma maneira surreal. Enxergamos muito nos improvisadores iniciantes o travamento que eles tĆŖm pra entrar ou dar continuidade em alguma cena, simplesmente porque a cabeƧa deles estĆ” gastando muita energia julgando as ideias que aparecem, mostrando que elas nĆ£o sĆ£o boas o suficiente e que dĆ” pra encontrar algo melhor, mais engraƧado, mais interessante ou mais original. A saĆda pra isso Ć© simplesmente fazer o mediano, o comum, o óbvio. Ć entregar aquilo que vocĆŖ jĆ” tem e construir a partir daĆ.
Logo quando vemos os travamentos, jĆ” gritamos para o aluno āNĆ£o julga!ā, āVai na primeira ideiaā, āNĆ£o tenta ser interessanteā. EntĆ£o a coisa sai. E, Ć s vezes, nĆ£o sai muito bem. E, Ć s vezes, sai sensacional. Mas sempre jĆ” Ć© muito melhor do que estava antes. Simples assim.
Funciona muito bem para quem estĆ” enroscado com dissertação de mestrado, algum trabalho pra escrever, ou qualquer trabalho que demande alguma ideia āoriginalā. O princĆpio Ć© simples. āNĆ£o julgueā. O julgamento atrapalha e bloqueia o nosso pensamento divergente (elemento essencial da criatividade), que estĆ” relacionado Ć capacidade de dar mĆŗltiplas respostas aos diferentes problemas que nos aparecem. A questĆ£o Ć© que logo que uma ideia vem jĆ” julgamos sem perceber, sem explorar, sem entender todo o potencial que qualquer ideia tem. Esses bloqueios nos limitam mais do que imaginamos.
O potencial das ideias simples fica muito claro na impro, quando frases e ações comuns de repente se transformam em histórias que aos olhos de quem estÔ de fora parecem incrivelmente criativas ou originais. E de uma certa forma, são. A questão é que todos nós conseguimos chegar nisso. à só não julgar. Nem as suas ideias, nem a do outro. Sem buscar o mais interessante ou engraçado. E aà as coisas começam a acontecer.
Quase sempre o resultado Ć© muito bom. De vez em quando a gente erra, e aĆ tenta de novo. Mas acho que jĆ” falamos sobre isso, nĆ©? Se vocĆŖ leu atĆ© aqui jĆ” estĆ” percebendo que os princĆpios sĆ£o muito complementares.
5- Escute
Omar Argentino coloca que as três habilidades bÔsicas para improvisar são a aceitação, a capacidade de propor, e a escuta. Ele complementa: Das três, a escuta é a mais necessÔria. Imagine uma cena onde os personagens são três escoteiros perdidos na floresta, e então aparece um urso para atacÔ-los. Na cabeça de cada um dos atores pode estar aparecendo vÔrias ideias diferentes: acender fogo pra espantar o urso, amarrÔ-lo utilizando nós de escoteiro, começar a chorar, tentar conversar com o urso, sair correndo de medo ou mesmo fazer um stories da situação.
Nessa cena hÔ a possibilidade de acontecer uma história muito legal. Contudo, também tem a chance de todo mundo falar ao mesmo tempo e ninguém entender nada, ou começar uma grande discussão porque cada um ficou preso na sua própria ideia.
JÔ existem algumas pesquisas interessantes na psicologia comportamental cognitiva que mostram que, em grande parte das conversas e discussões que temos no cotidiano, enquanto o outro fala nós só ouvimos o começo do que tem a dizer, e depois a maior parte do tempo jÔ estamos pensando na nossa resposta ou esperando nossa vez de falar. Geralmente só ouvimos um único argumento e jÔ queremos contrapor em seguida. Em um contexto tecnológico e social onde temos acesso a diversos tipos de ferramentas pra nos expressar e dar voz aos nossos desejos, vontades, opiniões e experiências (o que é muito legal), a gente tem desaprendido a escutar.
A impro nos põe a prova desde o começo nesse sentido. Sem escuta não tem cena. Não dÔ nem pra dizer o SIM, porque para aceitar tem que ter escutado o que o outro disse. E às vezes a proposta do outro não é uma frase, mas uma ação, uma expressão facial, ou até mesmo um olhar. E a gente tem que estar atento a cada um em cena, aos que estão fora e podem entrar, ao mestre de cerimÓnia que pode propor um desafio aos improvisadores e, principalmente, à história que estamos contando e que tem um começo, um meio e um fim.
Para disponibilizar toda essa atenção a gente precisa sair um pouco da mente que quer a todo custo ter (e muitas vezes impor) ideias e estar aberto simplesmente a escutar todos os estĆmulos que estĆ£o chegando atĆ© nós. Acho que jĆ” fica muito claro como esse princĆpio Ć© facilmente transportado pro cotidiano. Isso porque temos sentido que a nossa comunicação estĆ” falha, num geral, e que estamos muito pouco abertos pra troca genuĆnas.
Estamos quase o tempo todo preocupados com as coisas que jÔ aconteceram ou estão pra acontecer, e quase nunca estamos no presente, escutando o que a realidade nos apresenta, que sensações as pessoas nos passam, que propostas elas nos fazem ou o que precisam. Um mundo pautado num individualismo exagerado acaba nos fazendo achar que escutar não é importante, e que tudo é sobre nós. E aà quando vamos improvisar a gente leva belos tombos, quando percebe que as histórias são coletivas, que cada um tem seu papel, sua voz, seu momento de fala e seu momento de escuta. Na mesma medida. E aà fica muito mais legal.
6- Tomar conta uns dos outros
Este Ćŗltimo tópico tambĆ©m poderia se chamar āTrabalhe em equipeā, ou āSeja confiĆ”vel e confieā, mas eu achei que nada expressa a ideia melhor do que tomar conta uns dos outros. Para PatrĆcia Ryan Madison, āos improvisadores completos se distinguem por sua generosidade, cortesia e capacidade de cuidar uns dos outrosā.
Um dos exercĆcios que fazemos com os estudantes de improviso Ć© assim: em determinada cena, nós definimos que todos os improvisadores tem como objetivo fazer o outro brilhar. A cena nĆ£o deve ser sobre eles, as ideias deles, ou os personagens deles, mas principalmente, sobre os personagens e as ideias propostas pelos parceiros de cena. Esse esforƧo Ć© meio difĆcil no comeƧo e nem sempre o exercĆcio dĆ” certo de primeira, contudo aos poucos conseguimos construir essa sensação de que na impro vocĆŖ sempre joga para o outro, e o resultado Ć© incrĆvel. Gradualmente as cenas vĆ£o ficando mais fluidas, menos ābarulhentasā, āafoitasā, acontecem menos discussƵes e os personagens comeƧam a viver histórias mais interessantes. Simplesmente porque jogar pro outro Ć© colocar em prĆ”tica a aceitação das ideias, contribuir pra criação coletiva, a capacidade de se escutar e de aceitar os erros que com certeza aparecem no processo.
NĆ£o precisa ir muito alĆ©m para perceber como esses princĆpios fazem trabalhar melhor equipes de empresas de qualquer ramo, grupos de professores, times que precisam desenvolver trabalhos criativos, coletivos de artistas ou companhias de teatro. Ć uma forma incrivelmente simples de alcanƧar equilĆbrio no trabalho coletivo, principalmente quando se pratica ājogar pro outroā, ou ājogar pra todosā. Nem tudo precisa ser sobre vocĆŖ.
Essa é uma ideia legal pra caramba, porque geralmente rolam muitos textos por aà que falam sobre como você deveria largar tudo e fazer um mochilão, ou como você precisa alcançar o emprego dos seus sonhos fazendo o que gosta, ou como você pode começar a investir em ações com apenas cem reais, ou como você pode organizar melhor seu guarda-roupa. Não estou dizendo que esses textos são ruins, é claro. Tem muita coisa boa que a gente tem pra pensar sobre muito assunto diferente. Mas nem sempre precisa ser sobre você, e por isso eu gostaria que esse texto fosse sobre nós.
E sobre como mesmo os improvisadores mais antigos tambĆ©m sofrem pra aplicar cada um desses princĆpios, seja na impro ou na vida. Que eventualmente vamos errar e estĆ” tudo bem. E que podemos nos escutar mais e jogar mais um para o outro.
Eu passei trĆŖs anos indo pra SĆ£o Paulo com frequĆŖncia fazer cursos de improvisação e isso me levou pra lugares incrĆveis, mas eu sentia que faltava alguma coisa. Foi só em 2016, quando eu comecei a compartilhar a impro com outras pessoas e produzir coletivamente que eu senti que estava comeƧando a entender melhor o que Ć© ser improvisador. Porque a impro Ć©, na essĆŖncia, coletiva. E talvez seus princĆpios tenham potĆŖncias bacanas pra mostrar para nossa vivĆŖncia na coletividade.
āTrate seus companheiros como gĆŖnios, artistas e poetas, e eles se tornarĆ£oā. Del Close

Danilo Forlini é Doutor e Mestre em Educação, Licenciado em Ciências Sociais, Especializado em Psicodrama Socieducacional e Técnico em Teatro. à responsÔvel pela Coordenação Pedagógica do Espaço Cosmonauta e, junto com Tainah de Azevedo, dirige a Cia. Improvisória de Teatro e ministra os cursos de improvisação teatral bÔsica e avançada do Espaço.
Livros Citados:
āIMPRO: Improvisation and the Theatreā - Keith Johnstone
āTruth in Comedyā - Del Close
āImprov Wisdomā - Patricia Ryan Madison
āDel Salto al Vueloā ā Omar Argentino
āBossypantsā ā Tina Fey